Aos 31 anos, a perfumista Vanessa Lunardelli viu a sua vida se transformar. Diagnosticada com um aneurisma cerebral, ela passou por uma cirurgia de craniotomia e perdeu a visão do olho esquerdo. Dez anos depois, aos 41 anos, um novo diagnóstico de aneurisma e apenas uma certeza sobre o futuro: “se eu ainda estou aqui é porque algum propósito existe.”

Formada na área da saúde, Vanessa é farmacêutica bioquímica com especialização em estudos clínicos. Durante anos, esteve à frente de pesquisas sobre o câncer, a covid-19 e outras muitas doenças, em um laboratório em São Paulo. “Eu estava no refeitório, durante um almoço com a equipe, quando comecei a enxergar as pessoas pela metade, literalmente, as imagens foram se dividindo ao meio e aquilo me assustou demais”, conta.

Aconselhada a procurar um médico, a perfumista foi até o ambulatório da empresa, passou por uma consulta e seguiu para casa. “Eu já tinha o histórico de enxaqueca, mas as crises eram acompanhadas de algum motivo específico, como por exemplo, o estresse ou uma falha na alimentação, então achei que fosse apenas mais um dia de crise.”

Vanessa sentiu fortes dores durante a noite, mas acordou bem no dia seguinte e continuou realizando suas atividades normalmente. Sem muita preocupação, ela marcou uma consulta com o neurologista e agendou novos exames. “Fiz um eletroencefalograma e o médico me pediu uma ressonância, mas só fiz o exame um mês depois”, diz.

A farmacêutica não esperava por um resultado grave. Para ela, apenas uma troca de remédios seria suficiente, no entanto, o diagnóstico de aneurisma cerebral foi anunciado. “Lembro como se fosse hoje a sensação que senti quando vi o resultado, estava no trabalho e decidi abrir o exame no meu computador, antes mesmo de retornar à consulta.”

O laudo apontou uma lesão na artéria e indicou uma pressão no nervo ótico do olho esquerdo de Vanessa. Ela detalha que precisou fazer uma angiografia cerebral – exame que avalia a anatomia e a circulação dos vasos sanguíneos do cérebro. “Me assustei mais com o procedimento do que com o aneurisma, eu morava em São Paulo só com o meu marido e fiquei pensando como iria contar para minha mãe que morava longe.”

Com receio, mas confiante, a perfumista procurou por um neurocirurgião e iniciou um acompanhamento profissional até o dia da cirurgia. “Durante as conversas com o médico, ele me explicou que a doença era algo comum em pessoas de 60, 70 anos e não aos 31. A única opção seria a questão genética, então um dia antes da minha internação descobri que perdi uma prima, aos 25 anos, em decorrência de um aneurisma cerebral que se rompeu”, diz.

O sonho de ser perfumista

Após receber alta do hospital, Vanessa decidiu que iria resgatar os seus sonhos antigos, aqueles que ficaram esquecidos com o passar dos anos. “Desde criança eu sou encantada por perfumes, o ato de poder sentir diferentes aromas sempre me chamou muita atenção”, detalha a farmacêutica antes de afirmar que no último período da faculdade ela cursou aromaterapia como matéria, “foi ali que me despertou a vontade de estudar e decidi me inscrever em um mestrado de perfumaria na França.”

Mas o programa francês era apenas para jovens acima de 26 anos, na época, Vanessa tinha 21 e não conseguiu uma vaga. “Foi um balde de água fria, mas na sequência comecei trabalhar na área de cosméticos e cheguei até abrir uma empresa em sociedade com uma amiga, no entanto, nossos caminhos foram se distanciando e infelizmente não tiramos nada do papel.”

Com o sonho engavetado por décadas, Vanessa construiu uma longa carreira na indústria farmacêutica e deixou a vontade de ser perfumista de lado. “Por muitos anos, achei que o meu trabalho como pesquisadora clínica fosse algo de grande valor para sociedade e a perfumaria parecia distante dessa realidade”, destaca.

Mas depois do diagnóstico de aneurisma, algo mudou dentro do coração da Vanessa em relação à profissão, entretanto, outros acontecimentos surgiram no seu caminho e a afastaram, mais uma vez, da perfumaria. “Eu me tornei mãe de uma menina e de um menino, e realizei novos feitos dentro do laboratório”, diz.

Um novo diagnóstico de aneurisma

Feliz ao lado da família e empenhada no trabalho, a farmacêutica seguiu realizando os exames preventivos e cuidando da saúde. “Quando perdi a visão do olho esquerdo aprendi a me adaptar, não me frustrei porque a felicidade de estar viva era maior do que tudo e eu ainda me sentia com toda capacidade, o que me permitiu me auto aceitar.”

Mas em 2019, um novo diagnóstico de aneurisma cerebral surpreendeu Vanessa. Sem ter nenhum sintoma, ela conta que descobriu a doença apenas pelo exame de imagem, “o aneurisma estava do lado do outro, ou seja, o médico teria que tirar o clipes do primeiro aneurisma para conseguir operar o segundo.”

A perfumista também relembra de uma conversa sincera que teve com a filha de seis anos, dias antes da cirurgia. Foi durante uma viagem de férias, no Sul da África, enquanto elas caminhavam por uma trilha, “A Lívia teve a maturidade de deixar as pessoas passarem na frente para que pudesse ficar mais perto de mim e me fazer uma pergunta: ‘mãe, caso você não opere, você pode morrer?, questionou ela.’”

Angustiada, Vanessa respondeu a filha com a seguinte frase: “a mãe não sabe, mas a mãe já fez uma vez e deu certo, eu operei, fui confiante e deu certo”. E assim aconteceu, a farmacêutica fez a segunda cirurgia de aneurisma cerebral e foi um sucesso.

Alguns meses se passaram, enquanto Vanessa se recuperava da operação, até que o marido da perfumista percebeu uma mancha avermelhada próxima a cabeça dela. “Marquei uma consulta com o meu médico, assim que cheguei no consultório ele notou a mancha e me encaminhou para uma ressonância”, diz.

O exame mostrou uma infecção óssea, era um empiema epidural craniano e Vanessa precisou operar a cabeça pela terceira vez. “Foi uma cirurgia de emergência, mas ali foi o meu momento de entrega, falei com Deus e pedi a ele para poder viver”, detalha.

Seguindo o sonho

Um ano antes do último diagnóstico, a perfumista pediu demissão do antigo emprego para passar mais tempo com o marido e os filhos. A decisão trouxe mudanças para a família que saiu da capital paulista para morar em Curitiba. “Depois da minha terceira operação, fiquei 50 dias em recuperação, uma fase difícil, tive trombose em um dos braços e senti que aquele momento era um novo começo”, afirma.

O sentimento virou realidade, a farmacêutica decidiu viver uma nova vida. “Eu fiz uma análise, avaliei o que tinha realmente ficado e o que o ainda queria alcançar. Senti que tinha uma família que amava muito, bons amigos e uma profissão de valor, mas não conseguia mais me ver no ritmo de vida que tinha na pesquisa clínica”, diz.

Diante desse cenário, Vanessa passou a dedicar horas do seu dia à perfumaria, estudando conceitos, fórmulas e testando fragrâncias. “Fiz meu primeiro álcool gel durante a pandemia e por acaso do destino, nessa mesma época, nós mudamos para Florianópolis, então iniciamos uma nova rotina, em uma cidade nova.”

Perfumaria funcional

O contato direto com as essências fez a farmacêutica criar a Bright Me, uma empresa de velas aromáticas, aromatizadores e repelentes naturais, tudo feito artesanalmente por ela. “A marca foi fundada em 2002 para ser uma linha de cosméticos voltada ao bem-estar integral dos usuários, incluindo o bem-estar físico, emocional e mental. Mas apenas em 2021 lancei, oficialmente, a Bright Me no mercado”, garante.

Unindo beleza, cuidado e sustentabilidade, a cultura da empresa fundada por Vanessa está centrada na regeneração e nas conexões entre a natureza e o ser humano. “Quando desenvolvi os produtos da Bright Me quis trazer um pouco de mim, da minha essência, então todos os produtos têm um significado especial, desde a escolha dos ingredientes – que são 100% naturais, até os materiais usados nas embalagens que são recicláveis”, destaca.

Com o conceito de perfumaria funcional, a marca tem o objetivo despertar sensações e estimular sentimentos. “A forma mais autêntica de se encontrar é olhando para dentro de si. Acredito que os perfumes podem transformar o espaço à nossa volta e nos permitir ter paz e harmonia em momentos desafiadores.”

Outro serviço oferecido pela Bright Me aos clientes são as fragrâncias personalizadas,“a ​​Brightme Lab é uma área que trabalha com a criação individualizada de aromas, ou seja, empresas, lojas e pessoas podem escolher um aroma exclusivo”, finaliza.

Em entrevista ao IstoÉ Sua História, Vanessa Lunardelli compartilhou os detalhes de como descobriu dois aneurismas cerebrais, os desafios que precisou enfrentar e como encontrou na perfumaria funcional uma nova habilidade para se expressar. Confira a conversa completa: