Ao lado do conteúdo pedagógico, um importante aspecto que afeta a qualidade do aprendizado das crianças é a disponibilidade de meios que favoreçam sua criatividade de forma lúdica – o que inclui os espaços que elas ocupam. Essa foi a preocupação que levou Karine Ramos a criar o Ateliê Quero Quero, especializado em fornecer móveis, brinquedos e objetos educacionais para escolas.

Especialista em Gestão Escolar, mestre em História e Historiografia da Educação pela Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), doutora em Educação pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação da PUC-SP, e atualmente professora da pós-graduação Pedagogia das Miudezas no Centro de Estudo e Pesquisa em Arte, Educação e Cultura na Casa Tombada em São Paulo, Karine também é a diretora do centro de estudos Quero Quero Saber Mais. 

Um ponto de virada para Karine foi a participação em um grupo de estudos na Itália – mais especificamente em Reggio Emilia, cidade Italiana conhecida por sua proposta pedagógica. Essa abordagem, desenvolvida pelo professor Lóris Malaguzzi, pressupõe a valorização de espaços nos quais as crianças possam desenvolver de forma mais livre sua criatividade, conferindo a elas um papel protagonista. 

“Eu me apaixonei pelo valor que eles dão à infância. E foi nesse percurso de pesquisa e de aprofundamento sobre a importância dos espaços na educação infantil que nasceu a semente do Ateliê Quero Quero”, afirma, lembrando que se interessou em conhecer essa proposta após ler uma reportagem da revista Newsweek que tratava do assunto. “Foi um momento bastante importante de minha vida profissional; me ajudou a entender toda a questão ética, estética e cultural da pedagogia de Reggio Emilia. E foi nesse momento que eu tive a certeza de que o ambiente era um fator divisor de águas no aprendizado infantil – e comecei a perceber que não contávamos com essa possibilidade aqui no Brasil”, acrescenta.

Aprendizado de qualidade

De acordo com Karine, o principal diferencial que surge na educação das crianças a partir da criação de um ambiente que seja desenvolvido especificamente para elas, e não um espaço padronizado, é que a criança passa a ser mais ativa. “O modelo tradicional de educação é passivo – a criança é estimulada a cumprir tarefas, a reproduzir ações e a decorar informações. Esse tipo de aprendizado, que não exige reflexões profundas, leva a um saber superficial. Já a perspectiva que utilizamos nas coleções da Ateliê Quero Quero valoriza as experiências das crianças, potencializando sua curiosidade e desafiando sua capacidade cognitiva”, afirma. 

Ela ressalta que quando foi à Reggio Emilia em 2013, as fábricas no Brasil que produziam um mobiliário desenvolvido para crianças, com medidas ergonômicas específicas, eram muito limitadas em termos de opções; o que havia eram carteiras escolares em tamanho menor, por exemplo. “Como professora, eu comecei a entender o que realmente fazia com que eu não me sentisse feliz e satisfeita com o trabalho que eu realizava. Porque uma sala só com mesas e cadeiras e meia dúzia de blocos de plástico, colchões e talvez um quadro, é muito pouco para o desenvolvimento das crianças na faixa etária até os seis anos de idade. Mas eu nunca imaginaria que teria uma marcenaria e muito menos uma fábrica.”

Surge o Ateliê Quero Quero

Karine continuou estudando o assunto, participando de cursos nacionais e internacionais sobre a abordagem Reggiana, indo a Reggio Emilia na Itália e a outros países que utilizam pedagogias participativas. Passou a refletir como poderia traduzir essa pedagogia – tanto no design dos materiais usados no ambiente escolar quanto na abordagem dos professores – à realidade brasileira. “Fiz meu doutorado, diretamente ligado à formação de professores, e passei a trabalhar com pedagogias participativas como foco principal da minha pesquisa. E percebi que faltavam materiais e materialidades que permitissem aos professores oportunizarem uma abordagem mais criativa junto às crianças.” 

E essa carência acabou levando Karine a produzir ambientes e contextos de aprendizagem ao elaborar junto aos professores um trabalho voltado ao desenvolvimento de aspectos cognitivos, afetivos, simbólicos, imaginativos e expressivos das crianças. Esses aspectos provocam interações sociais, e estas, sua vez, estimulam a colaboração e a troca de saberes. “Nesse momento, eu pedi a meu marido [Elemar de Mello, diretor de produção e criação do Ateliê Quero Quero] para construir blocos de madeira e outros objetos a fim de que os professores entendessem melhor como isso fazia diferença na aprendizagem. Foram produzidos dois itens: uma caixa de blocos e uma mesa de luz, que permitiram brincar com formas e cores. A partir daí avisei que montaria um ateliê para investigar esses conceitos com professoras, e todas começaram a pedir por esses materiais. Foi justamente esses pedidos que deram ao empreendimento seu nome: Ateliê Quero Quero, pois imediatamente todas responderam ‘eu quero!’”, explica.    

Surgido em 2017, o empreendimento teve início no apartamento do casal, mas logo foi necessário dispor de um espaço maior, com ferramentas mais adequadas. “O grande divisor de águas para nós foi a chegada ao Brasil da rede internacional Avenues. Assumimos os projetos e dos espaços dos corredores e brinquedos da área de educação infantil; aí foi necessário abrir uma marcenaria. Montamos tudo, do mobiliário aos jogos disponíveis às crianças, e desenvolvemos para eles cinco coleções.” A partir daí o Ateliê Quero Quero passou a atender também redes públicas de ensino em São Bernardo do Campo, Diadema, Santo André e São Paulo, além de escolas bilíngues.

Hoje presente em quase todo o território nacional, o Ateliê Quero Quero direciona mais de 80% de sua produção para escolas públicas. “Também atendemos instituições privadas, fundações e organizações não-governamentais”, acrescenta.

Formação de professores

O Ateliê Quero Quero também atua como um centro de pesquisa e formação de professores, utilizando diferentes linguagens e teorias que possibilitam uma reflexão mais completa sobre o ambiente de aprendizado oferecido às crianças. “Toda escola que adquire os nossos materiais tem acesso a uma formação específica, vinculada aos móveis e objetos que comprou, por meio do centro de estudos Quero Quero Saber Mais – no qual temos uma equipe de especialistas no assunto.” Karine acrescenta que o Ateliê Quero Quero oferece ainda publicações específicas, como os livros Espaços do Sim, Crianças em Cena e Pensar, Refletir e Transformar, no qual essa abordagem é detalhada. 

Para o futuro, os planos são de continuar oferecendo espaços de qualidade para a escola pública brasileira, e passar a elaborar materiais para outras faixas etárias. “Tudo que desenvolvemos até agora foi voltado a crianças até seis anos de idade. Iniciamos um projeto-piloto de uma coleção para o Ensino Fundamental I, em parceria com uma escola de Santos, que já usa esse mobiliário há um ano. A ideia agora é, a partir desse projeto, entender de que forma essa coleção contribuiu para o aprendizado e, a partir daí, desenvolver uma linha de móveis e objetos educativos destinado à faixa que vai até os 12 anos de idade”, completa.

Em entrevista ao IstoÉ – Sua História, Karine detalha sua trajetória cheia de propósito. Confira o papo na íntegra:

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